Eu não tenho dinheiro pra tirar retrato!
“Quanto é o quiabo?”, pergunto ao vendedor depois de conferir “de olho” que o quiabo parece verdinho, sem precisar quebrar a ponta pra ver que tá no ponto pra uma boa quiabada, prato que fica delicioso com um cortadinho de abóbora e carne do sertão, uma delícia que aqui em casa agrada a todos os paladares. O “freguês” responde que a bacia está por 3 reais e antes que eu pensasse na velha pechincha já me deu outra oferta: “se levar duas, faço 5 reais.” Pronto, fechado mais um negócio naquela bolsa de mercadorias informal na qual os preços nunca têm centavos pra dificultar o troco e atrapalhar a venda. Quem vai na feirinha sabe também que as medidas ali são próprias. Quase tudo é vendido em pequenas bacias de plástico, do quiabo ao tomate, cenoura, batatinha e tudo mais que couber. Se o produto pode ser vendido a litro, como a goma para a tapioquinha, no final pode ter uma “quebra”, aquele punhado a mais jogado no final pra deixar o cliente satisfeito e voltar na próxima semana. Quem ganha, quem perde? O vendedor ou o comprador? Não importa, tudo é decidido “no olho”.
Comprar na feirinha exige jeito em meio a tantas mercadorias espalhadas. A começar na hora de estacionar o carro. De tanto ir às compras da pra saber onde é mais fácil encontrar aquela vaga tão desejada. Melhor mesmo ir no sábado, que tem menos movimento. Se quero laranja, sei que posso comprar de olhos fechados com Carlinhos, que vem toda semana com sua velha caminhonete da região de Cruz das Almas para a feirinha da Estação Nova. A prosa é rápida, algumas risadas quando falamos de um amigo que também é seu freguês, e ele já vai logo escolhendo as minhas laranjas. Carlinhos alerta se a laranja não estiver muito boa naquela semana, numa relação de confiança que se estabeleceu, mesmo eu não sendo mais um cliente tão presente.
Andar pelos corredores da feirinha antes de comprar qualquer coisa é a minha tática para ver onde posso encontrar os produtos que mais enchem os olhos até decidir o que levar e qual o preço mais em conta. Nesse vai e vem, não raro encontro um conhecido. Sacolas na mão, colocamos os assuntos em dia e fico sabendo que a filha de um velho amigo que vi nascer está estudando Medicina em outra cidade, já mulher feita que daqui a pouco tempo será mais uma doutora de volta a sua Feira de Santana. Ando mais um pouco e encontro outro “feirante”. Esse não me reconheceu de primeira por causa da máscara que usava. Mas quando viu quem era, fez festa e me prometeu trazer da fazenda um litro de mel de abelha. “Coisa de primeira!”, garante.
As feirinhas sempre foram lugares de boas matérias, bom pra medir a temperatura dos preços, principalmente quando a carestia deixa a gente mais pobre, como está acontecendo agora. No final da década de 80, a situação era bem pior. O preço de manhã não era o mesmo de tarde. Antes do Real, tinha plano econômico de todo tipo. Era tentativa e erro. Sempre. Num desses planos mandamos uma equipe da TV para ver os preços numa cidade menor. O pessoal foi para a feirinha de Santo Estêvão e começou a ouvir o relato do povo simples da roça que ia pra cidade fazer compras ou vender algum produto. O repórter parou uma moça, uma matuta desconfiada que não escondia o desconforto de responder tantas perguntas. Uma cena prosaica. Lenço na cabeça, a mulher tinha uma galinha debaixo do braço e respondia monossilabicamente com um riso nervoso no canto da boca e os olhos baixos. Uma labuta arrancar alguma informação. Ela ainda não tinha se dado conta que estava prestes a gravar uma entrevista com uma equipe de televisão até que levantou as vistas e deu de cara com o cinegrafista lhe apontando a câmera. A mulher mudou o semblante na hora, fez cara de zangada e encerrou aquela conversa de maneira inusitada:
– Eu não tenho dinheiro pra tirar retrato, não – esbravejou imaginando que aquela conversa toda era de um retratista tentando lhe vender um retrato, tipo os lambe-lambe que hoje praticamente não existem mais nem mesmo nas cidades menores. Se o dinheiro tava curto pra comprar as frutas e verduras, imagina tirar um retrato. “Bom-dia, moço”, se despediu mais que depressa.
*Marcílio Tavares Costa – Jornalista.