Bom-dia, sargento cabo Costa!

Foram mais de onze longos e quase intermináveis meses. Neste período, eu e mais de 80 jovens que integravam minha companhia no Exército enfrentamos todo tipo de adversidade que ninguém estava acostumado, mas também nos divertimos, principalmente com algumas figuras que passamos a conviver e compartilhar a rotina de ordem unida. Diniz era um desses recrutas, uma figura alto astral, que levava a vida de boa, sempre procurando superar as dificuldades com muito bom humor. Ele era mesmo um sujeito gozador e em meio a tantas cobranças da vida na caserna sempre dava um jeito de escapar ou pelo menos tentar fugir dos treinamentos mais pesados. Na nossa primeira ação no campo, no mesmo dia que comemos uma galinha crua tivemos que enfrentar uma noite toda embrenhados na mata à espera de um hipotético ataque inimigo. Fomos divididos em pelotões e cada grupo foi levado para um ponto diferente. A ordem era ficar atento porque poderíamos ser atacados a qualquer momento. Depois de algumas horas, parecia que finalmente o ataque iria começar. A ordem era que todos deixassem seus postos e se apresentassem na clareira onde saboreamos a galinha à tarde. Era uma noite sem lua, escuridão total e pouco a pouco os pelotões atenderam os chamados feitos aos gritos e muitas ameaças. Na rotina do quartel eu trabalhava no comando da minha companhia como datilógrafo, o que me permitiu conhecer o planejamento das operações de treinamento. Eu sabia que naquela noite não tinha nenhum exercício a ser feito e aquele chamamento só poderia ser para castigar os soldados, uma rotina diária naquela semana que estivemos na Fazenda Mocó. Meu pelotão tomou a decisão de não atender o chamamento. Protegidos pela escuridão, permanecemos onde estávamos e nossa ausência não foi notada, ao contrário das figuras mais conhecidas, como Diniz, que eram chamadas pelo nome a todo momento. Antes dos primeiros raios de sol aparecerem, nos arrumamos e logo nos apresentamos assim que fomos convocados para começar os treinamentos de mais um dia embrenhados na mata. Diniz também deu as caras, mas naquele dia as coisas não foram muito boas para ele. Como não atendeu o chamado à noite, ele pagou o preço pela fama no quartel e como castigo passou a manhã toda amarrado em uma árvore. Este não foi o primeiro castigo que o jovem soldado sofreu. Não lembro o que ele aprontou, mas Diniz terminou atrás das grades. Além de bem humorado, ele era bom de bola, centroavante impetuoso, goleador. Pra comemorar o aniversário do 35 BI, naquele ano houve um torneio de futebol envolvendo outras unidades militares. Diniz era titular absoluto da seleção do quartel e por conta disso foi tirado da prisão para disputar o torneio, mas teria que retornar assim que a competição acabasse para cumprir o restante do castigo. Acontece que o 35 BI foi para a final do torneio e o comandante do quartel, que não sabia das estripulias do seu centroavante, prometeu que quem fizesse o gol da vitória e garantisse o título de campeão teria uma semana de folga. Final de jogo, o 35 BI venceu o 19 BC por 1 a 0. Gol de quem? Diniz, que de imediato foi liberado da prisão e foi pra casa feliz e sorridente. Afinal, ordem do comandante era para ser cumprida. Em outra oportunidade, Diniz estava de plantão na companhia tomando conta do alojamento. Postado na porta, acompanhava a chegada de um a um até ser cumprimentado pelo sargento Costa, um ex-cabo que acabava de ser promovido após participar de um curso. – Bom-dia, soldado – bradou de peito estufado o mais novo sargento do alto de sua autoridade. – Bom-dia, cabo Costa – respondeu Diniz como sempre tratava o ex-cabo, sem se dar conta da irritação que causava no sujeito que aguardava ansiosamente ser chamado de sargento pela primeira vez. O sargento insistiu:- Bom-dia, soldado!- Bom-dia, cabo Costa! E os cumprimentos se repetiram várias vezes da mesma forma, o que aumentava ainda mais a irritação do sargento, até que Diniz finalmente entendeu o que estava acontecendo e resolveu o problema a sua maneira: – Bom-dia, sargento cabo Costa!

Marcílio Tavares Costa – Jornalista.
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