‘É mais eficaz combater o mosquito’, diz médica que revelou elo entre zika e microcefalia

Especialista diz que não fazia ideia do tamanho da descoberta que fez ao analisar o caso de uma paciente de Campina Grande, em outubro de 2015

Era para ser um exame de pré-natal como qualquer outro. A médica Adriana Melo acompanhava os ultrassons de uma de suas pacientes, em Campina Grande, Paraíba, a cada quatro semanas. Tudo ia bem, até outubro de 2015.

No meio da gestação, começaram as alterações neurológicas no feto. Em duas semanas, a cabeça do bebê não havia crescido, havia calcificações e o cerebelo, parte do sistema nervoso responsável pelo equilíbrio, tinha diminuído de tamanho. “Calcificação é típica de infecção, já alteração no cerebelo é mais típica de doença genética. Tenho 17 de profissão só em medicina fetal e não conseguia encaixar [os sintomas] em nada que já tivesse visto na vida”, conta a médica.

A história dessa paciente foi a que levou Adriana se tornar a primeira pessoa a comprovar a relação entre danos neurológicos, como a microcefalia, e o vírus zika. Em entrevista ao Portal Brasil, ela contou como fez a descoberta entre o vírus e má formação neurológica que vem atingindo o Brasil desde o final do ano passado.

Duas outras pacientes cujos fetos apresentaram quadros parecidos de alterações neurológicas a fizeram pensar no vírus zika. “Resolvi ligar para as minhas pacientes e elas realmente tinham tido os sintomas. Fui atrás das outras três pacientes que apresentavam quadro parecido e todas tinham tido os sintomas. Foi aí que começamos a ligar os pontos e realmente achar que tinha algo”.

As análises do líquido amniótico das pacientes feitas pela Fiocruz comprovaram a confirmação de que os fetos das pacientes de Adriana, que haviam desenvolvido alterações neurológicas, tinham sido infectados pelo vírus da zika. Até o momento, chega a 745 o número de crianças com diagnóstico confirmado para microcefalia e outros danos neurológicos, segundo dados do Ministério da Saúde. A relação de todos esses casos com o vírus, no entanto, ainda precisa ser assegurada.

Alerta

A médica e pesquisadora não tinha ideia do tamanho de sua descoberta. Ela conta que os exames iniciais eram para dar uma resposta às mães, em primeiro lugar. E, não menos importante, era a preocupação de Adriana em alertar outras mães. “Se fosse um mosquito, a gente tinha que dar a chance às outras mães de tentar evitar. Delas terem o direito de saber, para usar repelente, usar roupas que cobrissem o corpo”, diz.

Desde então, a rotina de parte da comunidade de saúde de Campina Grande tem sido de dedicar a ajudar as mães que tiveram crianças com danos decorrentes do zika vírus. Adriana explica que o vírus atinge a produção dos neurônios ainda enquanto o feto está se desenvolvendo, o que gera vários tipos de lesões. Ela explica que microcefalia não deve ser o termo usado para nenéns afetados com o vírus. “Desde novembro discordamos do termo microcefalia porque dá uma ideia de que os bebês vão ter sempre a cabeça pequena. Tivemos casos em que o bebê começa com a cabeça pequena, mas que o líquido dentro da cabeça vai acumulando ao ponto de ter mais líquido do que cérebro. Quando nasce, o bebê aparenta ter uma cabeça normal”, conta.

Para tentar identificar problemas neurológicos, a melhor forma é o acompanhamento das pacientes desde a gravidez. “Na ultrassonografia fetal podemos identificar problemas e, se for o caso, preparar a mãe para a nova vida que ela deverá ter para cuidar do filho”.

Rumores e boatos

A divulgação de boatos que sugerem outros motivos para as má-formações no País tira a paciência da médica. Ela, que tem título de dois doutorados na área de saúde materno-infantil, afirma se sentir ultrajada ao ver correntes nas redes sociais com explicações mirabolantes para os recentes casos relacionados ao surto do vírus zika. Na pesquisa com as pacientes, os pesquisadores conseguiram sequenciar o vírus e mostraram que ele é o mesmo que circula em outros países, como a Polinésia Francesa.

“A gente sabe hoje que o nosso vírus é o mesmo que circulou na Polinésia, ele não sofreu mutação até chegar no Brasil. O pode estar acontecendo é que a nossa carga viral recebida pelos nossos pacientes pode ser maior porque temos muitos mosquitos. Isso ainda vai ser estudado”, ressalta.

Adriana explica que não é apenas questão de descreditar o seu trabalho, mas de fugir do foco principal: o combate ao vetor. Ela acredita no combate ao mosquito Aedes aegypti como a forma mais eficaz de evitar os casos de alterações neurológicas, como a microcefalia. “Muita gente pede uma vacina, clama por isso. É claro que uma vacina é importante. Mas o que eu digo é: ontem foi a dengue, hoje é chikungunya e zika, amanhã pode ser outro. É muito mais fácil a gente combater o vetor”.

Fonte: Portal Brasil

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