Iemanjá ficou com minha aliança

O rio Jacuípe sempre foi minha praia. Foi em suas águas turvas que aprendi a nadar, coisas que os meninos de Jaguara parece que já nascem sabendo tamanha é a agilidade com que nadam, mesmo quando o rio tá pelos “paus”, com a água encobrindo a velha barragem que dá acesso à sede do distrito pra quem vai pela Estrada do Feijão. Até hoje é da barragem que a turma pula quando está tudo cheio, coisa que nunca tive coragem de fazer por causa da força das águas e a grande quantidade de pedras. Sempre respeitei as águas e fiz muito bem. Do rio para o mar demorou. Ainda menino, conheci o mar na praia de Madre de Deus, numa viagem de pau de arara que tinha como destino principal a cidade de Candeias para rezar pra Nossa Senhora das Candeias e banhar os olhos com a água milagrosa que brota no lugar.
Acho que a segunda praia que conheci não poderia ter sido outra a não ser Cabuçu, a praia do feirense que já foi destino de ricos e pobres, mas que hoje já não tem mais o glamour de outros tempos, embora ainda resistam as boas casas construídas na época que o lugar atraia a turma endinheirada da Princesa do Sertão e suas lanchas. O que mais me marcou mesmo foi a viagem até o litoral de Saubara, uma verdadeira aventura. Um comboio familiar liderado por minha tia Elizabete penou para atravessar a estrada entre Santo Amaro e Cabuçu. Na verdade, estou sendo condescendente em chamar aquela trilha de estrada. Boa parte do caminho era de areia e lembro que foram muitos pneus furados até chegar às águas mansas, quase sem ondas, da Baia de Todos os Santos. Até hoje, enquanto o sertão não vira mar, como profetizou o beato Antônio Conselheiro, é lá que uma boa parte dos feirenses ainda vai botar os pés na areia.
O gosto pela praia veio bem depois através de meu sogro Bira, um praeiro inveterado que chegava a passar três meses no veraneio anual com toda sua família. Tinha poucos meses de namoro com Eliana quando arrumei a mochila e fui desfrutar a praia de Madre de Deus, justamente a minha primeira experiência marítima ainda menino. Apaixonado, o meu primeiro veraneio foi maravilhoso. Tomei gosto e daí em diante passou a ser meu programa de diversão preferido nas férias. Nestes 40 anos de praia, acompanhei meu sogro depois por Cabuçu e por fim a ilha de Itaparica, nestes dois últimos locais já com André e Allan no embalo do verão. Quando ele faleceu, mantive a tradição e até hoje faz parte da rotina da minha família. Acostumado com a tranquilidade e a temperatura morna das águas do litoral baiano, tomei um susto quando cheguei ao Rio de Janeiro na lua de mel com Eliana. Antes de ir a uma praia carioca, me chamava a atenção quando via pessoas indo para o mar levando baldes. Só fui entender porque o banho para muitos era com balde quando fui à praia e me deparei com uma água gelada, pelo menos para os meus padrões baianos, e um mar mais agitado do que estava acostumado. Depois de alguns dias programei nova ida à praia, mas tive que ir só com meu irmão porque Eliana estava indisposta e preferiu ficar em casa. Era minha primeira saída sozinho em nossa lua de mel e eu aproveitei para tomar um banho de mar. Bastaram alguns mergulhos para tomar um caldo daqueles que me fez rolar descontrolado até a areia. Levantei meio atordoado e quando consegui me recompor descobri que a força da água tirou a minha aliança do dedo. Veja só, com poucos dias de casado e na única vez que saí sem Eliana estava voltando pra casa sem a aliança. Para evitar qualquer interpretação errada, fui logo explicando o que ocorreu e arrematei: – Iemanjá levou minha aliança!
