No mundo dos Flintstones ou dos Jetsons?

Se eu fosse descrever Jaguara a partir dos desenhos animados preferidos da minha infância, poderia dizer que a minha Jaguara, aquela do menino que pescava, jogava bola e andava de pau de arara, estaria no universo dos Flintstones, o desenho dos estúdios Hanna-Barbera que até hoje é lembrado por todos nós que crescemos vendo Fred e Barney em suas aventuras na idade da pedra improvisando objetos e bichos para imitar o que seriam versões pré-históricas das tecnologias dos anos 60. O carro que Fred dirigia era feito de madeira, movido a tração humana nas suas inconfundíveis pedaladas, me faz lembrar do bom e velho carro de boi, que eu adorava andar pelas estradas de chão, ou dos nossos carrinhos de rolimã feitos também de madeira que a gente brincava um empurrando o outro até cansar. Evidente que não tinha nenhum dinossauro por lá como Dino, o pet de estimação de Fred que adorava aprontar todas com seu dono, mas a imaginação pode me levar aos cães que meu pai criava, sempre da raça perdigueiro, especialistas em caçadas que ele levava para as fazendas de seus amigos em busca de nambus e perdizes. Não posso dizer que os moradores de Jaguara andavam de pés descalços como os habitantes de Bedrock, a cidade onde Fred e Vilma moravam, mas posso afirmar com certeza que muitos jogavam bola de pés no chão, mesmo que isso significasse muitas cabeças de dedo arrancadas pelos pedregulhos que infestavam as ruas e campos da nossa rústica moradia, típica do semiárido. Se a imaginação me leva a comparar Jaguara com a Bredock dos Flintstones, os sonhos me levam a pensar num lugar melhor para os moradores daquele lugar tão pobre. Não da para dizer que eu queira um mundo dos Jetsons, outro desenho que a meninada adorava e se passava no distante ano de 2062 onde robôs e carros voadores faziam parte do cotidiano futurista. Não sei se Zezé Bosta Seca trocaria seu cavalo por uma nave espacial para tocar a boiada na fazenda do velho Colbert ou ser substituído por um robô na lida diária da roça. Também não da para acreditar que dona Júlia recorreria a alguma ajudante cibernética para produzir as suas deliciosas balas de mel. Afinal, o que deixava os queimados ainda mais gostosos com certeza era o carinho na hora de fazer, uma receita que máquina alguma (ainda) é capaz de reproduzir por mais que a tecnologia já tenha avançado. Não é possível (ainda) ver as naves voadoras cruzando os céus de Jaguara ou um robô lavando roupa no rio Jacuípe no lugar de mulheres como dona Modesta, que durante anos cuidou da nossa indumentária com carinho e dedicação. Mas vou pedir ajuda a Mark Zuckerberg para embarcar em seu sonho e criar uma Jaguara em realidade aumentada com a tecnologia do metaverso na qual é possível simular a vida real de uma pessoa num ambiente virtual. Nesse mundo de avatares, posso criar governantes que enxerguem a pobreza daquele lugar onde os moradores há muitos anos esperam por melhores condições de vida, mais oportunidades e que sejam tratados com mais dignidade. Nesse meu mundo virtual, os abafabancas de Dona Bernadete estariam de volta e seriam entregues através de drones em pedidos feitos por aplicativos. Só aceitarei pagamento em criptomoedas, mesmo que isso signifique acabar com os fiados que eram pendurados nas cadernetas da loja de Seu Nelito ou nas vendas de Deca e de Zinho Atrapalhado, os armazéns onde se podia comprar de tudo, do botijão de gás à pinga nossa de cada dia. Somente no mundo virtual eu poderia finalmente realizar o velho sonho do menino que era louco por futebol e criar um campo que não fosse enladeirado, sem pedras, onde todos pudessem se divertir sem furar as bolas plásticas nos arames farpados que cercavam o improvisado “estádio” jaguarense. Só uma coisa não mudaria neste mundo virtual. Eu continuaria sendo o dono da bola, afinal precisaria garantir minha vaga nos babas.

Por Marcílio Tavares Costa (Jornalista)

Marcílio Tavares Costa
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