Cartão vermelho para o chefe

Foto: Arquivo particular

Conga, kichute ou de pés de descalço?

Se fosse um bate-bola simples, ia na paleta, mesmo correndo o risco de arrancar a cabeça dos dedos dos pés em alguma das muitas pedras espalhadas nas ruas de Jaguara. Mas se era um baba, aí a escolha era quase sempre o kichute, o mesmo “pisante” que a gente usava para ir para a escola. Como se diz, era pau pra toda obra. Feito de borracha e lona, lembrava uma chuteira com seus bilros que em pouco tempo se desgastavam fácil. Era mais robusto, aguentava firme qualquer parada. A conga, mais barata, era bem mais frágil e tinha o inconveniente do solado liso, o que me levou ao chão pelo menos uma vez e terminei com queixo partido. Conga ou kichute, uma coisa era certa: o chulé estaria em qualquer das situações. Afinal, ninguém lavava os pés para ir jogar bola. Juntando com o suor, a catinga tomava conta dos calçados. Isso sem falar que o danado do kichute deixava a gente com as unhas dos dedões encravados, um sofrimento quando inflamava.

Dono da bola, meu lugar era sagrado em qualquer jogo. Como todo canhoto, meu ídolo era Rivelino, o ponta-esquerda do Corinthians e do Fluminense do Rio que chegou à Seleção Brasileira e foi campeão do mundo na Copa de 70, lá no México. Era craque e eu sonhava ter só um pouquinho da sua habilidade. Pra mim já estaria de bom tamanho se pelo menos aprendesse a dar o drible do elástico, jogada famosa na qual Rivelino enganava todo adversário com a sua perna esquerda num movimento de vaivém perfeito. Ficou só na vontade. Mas não precisava ser um Rivelino para continuar apaixonado por futebol. Bastava uma bola Canarinho ou uma bola Chuveirinho que a gente se imaginava logo um craque. Dos campos enladeirados da minha Jaguara para o gramado do Joia da Princesa. Pisar naquele gramado foi uma experiência única e o campo era muito maior do que a gente via de fora, uma imensidão verde que parecia não terminar nunca. Faltava perna pra tanto campo. Não lembro qual era o adversário e quem ganhou. O jogo foi da seleção da imprensa, pois já estava atuando no jornalismo. Editor de esportes do Feira Hoje, o meu mundo girava em torno do futebol, aliás, em torno do Fluminense, que na época era nosso único representante no Campeonato Baiano de profissionais. E os babas eram rotina. Toda segunda-feira à noite tinha jogo na quadra do antigo Batalhão da Polícia Militar, onde funcionou depois o Palácio do Menor e hoje abriga o centro cultural do Sesc. A turma era fominha e a gente ia onde tivesse um campo ou uma quadra de futebol. Por muito tempo o nosso espaço de lazer foi o Sesi, onde o professor João Artur promovia competições com jornalistas e radialistas da cidade e abria espaço pra gente jogar.

Quando fui para a TV Subaé a tradição dos babas noturnos continuou no Sesi. Todo ano a coisa pegava fogo mesmo era nos Jogos das Comunicações, uma criação do entusiasmado João Artur que incluía ainda outros esportes. Era uma disputa renhida na qual o time da TV era o alvo principal dos adversários. Afinal, tinha uma turma de garotos novos que deixava jornalistas e radialistas veteranos comendo poeira. Na TV não tinha apenas os jogadores. Tinha também um árbitro. Carleone Constantino, que pra gente era Carlão que cuidava das cópias dos scripts dos jornais, também era árbitro da Liga Feirense. Carlão estava apitando um dos jogos da TV quando um dos jogadores cometeu uma falta grave. O “nosso” árbitro não pensou duas vezes e correu com o cartão vermelho para colocar ordem em campo. Cartão em punho, o nosso destemido juiz esperou o agressor levantar para aplicar a punição. Quando descobriu que o jogador era o diretor da TV, Carlão ficou sem saber o que fazer e sem saída mostrou o cartão para o faltoso e disse: – Tá vendo aqui. Da próxima vez vai levar um desse – desconversou e colocou o cartão no bolso sem expulsar o chefe.

Por Marcílio Tavares Costa – Jornalista

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